2. Um Caminho para a Liberdade
“Ação de liberdade”, Paranaguá, 1879
“(...) Na mais tenra infancia, pois que contava dez para doze annos de idade, foi o curatellado do supp. arrebatado da patria querida, afastado da familia, deixando pai, mãe, irmãos - as mais caras e ternas affeições; lançado à força, debaixo dos mais terríveis tratos, de envolta com grande número de infelizes companheiros de infortunio, no porão de um navio negreiro; vendo-se desde então privado do dom mais precioso que pelo Creador foi dado à criatura - a liberdade, e redusido à escravidão com todos os seus horrores; tem soffrido paciente por tão longo periodo que outros gosem do fructo do seu trabalho, porque, como escravo, tocou ao ponto mais abjecto da escala social, faltando-lhe na hospitaleira terra brasileira, apesar de ter procurado em épocas diversas, a proteção a que tem direito todos os infelizes, e só agora póde provar que é livre (...)”
Trecho extraído de processo judicial denominado “ação de liberdade”, ajuizado em Paranaguá no ano de 1879. Nele o curador José Cleto da Silva, representante do escravo Luiz, pede a liberdade do cativo com base na Lei de 7 de novembro de 1831, primeira legislação contra o tráfico negreiro.
O curador José Cleto da Silva narra que Luiz, capturado na África e trazido ao Brasil ainda criança, foi vendido por mercadores a Jacintho Luiz para o qual prestava “serviços da carroça de vender água”. Devidamente inscrito na “Matrícula de escravos”, foi objeto de contrato de locação entre seu senhor e Francisco Antonio dos Santos, passando a prestar serviços ao locatário a partir de então.
Após permanecer em cativeiro por vinte e oito anos, o africano postulou declaração judicial de liberdade alegando que chegou ao Brasil em 1850, dezenove anos após a Lei de 7 de novembro de 1831 proibir a importação e desembarque de escravos. Ao final, o Juiz de Direito de Paranaguá, Cesário José Chavantes, decidiu nos seguintes termos: “ (...) julgo procedente a presente ação, havendo por livre o autor, a quem se dará o competente título (...)”.
Os presentes autos compõem o acervo do Museu da Justiça e preservam a memória da sociedade escravista brasileira do século XIX, período marcado pela ocorrência da maior importação de escravos e de mudanças institucionais decisivas que levaram à abolição do tráfico negreiro e da escravidão.
Procuração, Província do Paraná, 1876
“Saibão os que este publico Instrumento de Procuração bastante virem, que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos setenta e seis, aos vinte dias do mes de maio do dito anno, nesta Villa do Principe, em Cartório comparecêo Faustino Moreira Paz, morador em Sima da Serra de Viamão, pessôa que reconheço ser o proprio, do que dou fé; e por elle outorgante me foi dito, perante as testemunhas no fim assignadas, que por este publico Instrumento nomêa e constituê seu bastante procurador nesta Villa, ao Senr. Francisco Ferreira Buêno, com especialidade para, por elle outorgante assignar a Escriptura de venda da mutada da Escrava Jacintha, parda-clara, de quatorze annos de idade, solteira, cozinheira e natural d’esta, à José Buêno de Camargo, podendo também substabelecer esta em quem convier (...)”
Trecho extraído da Procuração por instrumento público da Província do Paraná, com Brasão do Império do Brasil. Ano 1876.
A procuração é instrumento através do qual uma pessoa (outorgante) autoriza outra (outorgado) a agir em seu nome. No século XIX, era comum outorgar à comerciantes poderes que permitissem a negociação de escravos, prática que possibilitava a compra e venda de cativos fora da residência de seus senhores.
A presente procuração foi lavrada com o fim de autorizar o “Senr. Francisco Ferreira Buêno” a assinar “Escritura de venda” da escrava Jacintha, qualificada como “parda-clara, de quatorze anos de idade, solteira, cozinheira” e natural da Vila do Príncipe, atual cidade da Lapa.
A partir da edição do Decreto n. 2.699 de 28 de Novembro de 1860, a realização da escritura pública para a transferência de escravos se tornou obrigatória para transações que excedessem 200 (duzentos) réis, in verbis:
Art. 3º A escriptura publica he da substancia de todo e qualquer contracto de compra e venda, troca e dação in solutum de escravos, cujo valor ou preço exceder de 200$000, qualquer que fôr o lugar em que taes contractos se celebrarem ou effectuarem.
Antes disso, somente um documento passado entre particulares era suficiente para comprovar a transação.
O presente documento compõe o acervo do Museu da Justiça e preserva a memória da sociedade escravista brasileira do século XIX, período marcado pela ocorrência da maior importação de escravos e de mudanças institucionais decisivas que levaram à abolição do tráfico negreiro e da escravidão.