Presidente do TJPR, desembargador Luiz Fernando Tomasi Keppen, recebeu a Medalha da Ordem do Mérito Judiciário do TJPA, grau Grão Cruz  

Justiça Militar da União: Auditoria da 5ª Circunscrição Judiciária Militar  

Legenda

JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO: AUDITORIA DA 5ª CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA MILITAR  

Por Robson Marques Cury 

A bicentenária Justiça Militar constitui a célula mater do Poder Judiciário brasileiro. Decorrente da própria existência das Forças Armadas, a Justiça Militar da União (JMU) é a mais antiga do país, com mais de 200 anos. 

O Conselho Supremo Militar e de Justiça foi criado pelo Príncipe Regente D. João através do alvará régio, com força da lei do dia 1º de abril de 1808. O artigo nº 124 da Constituição Federal de 1988 julga os crimes militares, previstos no Código Penal Militar (CPM), tendo como principais jurisdicionados os militares das Forças Armadas e, em certos casos, até civis. O artigo passou a integrar o Poder Judiciário a partir da Constituição de 1934 e seus julgamentos seguem a mesma sistemática do Judiciário Brasileiro. Sua missão é processar e julgar os crimes militares definidos em Lei a fim de contribuir para a promoção da Justiça. A instituição tem como visão o objetivo de ser conhecida pela sociedade como instituição de excelência do Poder Judiciário. Seus valores são: ética, imparcialidade, acessibilidade, modernidade, celeridade, responsabilidade social e ambiental, probidade e transparência. 

Nos tempos do Império, os juízes de Direito eram nomeados auditores de guerra. O Diário Oficial de 27 de março de 1890, por ato do Marechal Deodoro, trouxe a promoção do juiz de Direito Joaquim de Almeida Farinha Sobrinho da comarca de São José dos Pinhais, de 1ª entrância no Estado do Paraná, para o lugar de auditor de guerra da capital do mesmo estado, cargo exercido até o fim da sua vida, no dia 11 de setembro de 1893, aos 46 anos, em Paranaguá. 

Também conhecido por Joaquim Faria, foi nomeado pelo Imperador D. Pedro II, em 30 de agosto de 1885, vice-presidente da Província do Paraná e, em 15 de outubro de 1886, presidente, substituindo o Visconde de Taunay. Realizou muitas obras, inclusive aumentando as colônias destinadas aos imigrantes europeus. Em 13 de junho de 1888, foi nomeado juiz de Direito da comarca de São José dos Pinhais. Com a queda do império em 1889, passou a lecionar História, Geografia, Francês e Retórica no Liceu Paranaense. 

Seu sucessor como auditor de guerra foi o catarinense Genuino Firmino Vidal Capistrano, durante poucos meses, até assumir o cargo de desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). Nesse mesmo ano de 1894, foi sucedido pelo dr. Benjamin Américo de Freitas Pessoa, genro do dr. Joaquim de Almeida Faria Sobrinho, após pedir demissão do cargo de desembargador do Superior Tribunal de Justiça do Paraná (ex-Tribunal de Apelação). Dr. Benjamin ocupou o cargo de promotor público e depois de juiz de Direito em Antonina, transferido para juiz de Campo Largo e, na sequência, foi nomeado desembargador pelo governador Vicente Machado, em decorrência da Revolução Federalista de 1893. 

O Dr. Garcia Dias de Ávila Pires, auditor de guerra do 1º Distrito Militar (1904) e do 4º Distrito Militar (1905) foi designado, em 08 de julho de 1911, para o mesmo cargo de auditor de guerra em Curitiba. Em 31 de janeiro de 1941, foi nomeado ministro do Superior – então Supremo – Tribunal Militar (STM), até a aposentadoria no ano seguinte. 

A auditoria de Justiça Militar foi instituída em 1920, com a modernização da Justiça Militar, através do Decreto nº 14.450, de 30 de outubro, instituindo o Código de Organização Judiciária e Processo Militar, com a criação de 12 Circunscrições Judiciárias Militares. 

O primeiro juiz da centenária Auditoria da 5ª Circunscrição Judiciária Militar (CJM) em Curitiba foi Emiliano David Pernetta (grafia original), nomeado pelo referido Decreto nº 14.450, do presidente Epitácio Pessoa. Emiliano David Pernetta nasceu em 03 de janeiro de 1866, em um sítio nos arredores de Curitiba, hoje pertencente ao município de Pinhais. Faleceu em 21 de janeiro de 1921, na capital paranaense. Culto e dinâmico, exerceu o jornalismo, a advocacia e o magistério. Em 24 de maio de 1900, foi um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. Em 19 de dezembro de 1912, foi um dos fundadores do Centro de Letras do Paraná. Nessa época, Emiliano Perneta estava ao lado de Romario Martins, João Turin, Nilo Cairo, entre outros, buscando a valorização do Paraná. Orador da loja maçônica Fraternidade Paranaense, fundou a Folha Literária e criou a revista Victrix, voltada ao simbolismo. No ano de 1911, foi coroado ‘Príncipe dos Poetas Paranaenses’. 
 
Em Curitiba, Emiliano Perneta dá nome a uma das principais ruas no centro da cidade, além de ter seu busto no Passeio Público e na Praça Osório (cujo original se encontra no Centro Cultural de Curitiba). Durante a 2ª Guerra Mundial, em 1944, o Brasil enviou à Itália a Força Expedicionária Brasileira (FEB), uma força militar aeroterrestre composta por 25.834 homens. Um Conselho Supremo de Justiça Militar (CSJM) acompanhou a Força Expedicionária Brasileira e duas auditorias da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (DIE). 

O quinto juiz da Auditoria da 5ª CJM em Curitiba foi o auditor de Primeira Entrância Eugênio Carvalho do Nascimento. Também juiz titular da 2ª Auditoria Expedicionária, Eugênio Carvalho acumulou a distribuição dos feitos por ser o mais antigo. A 2ª Auditoria da 1º DIE foi o órgão da JMU que permaneceu mais tempo na Itália e julgou o maior número de casos. 

O surgimento da Justiça Militar no Brasil, criada em 01 de abril de 1808, está retratada na obra “Entenda a Justiça Militar da União”, recheada de fotos históricas, editada pelo STM. O ministro Péricles Aurélio de Lima Queiroz do Superior Tribunal Militar, narrou para o memorial do Ministério Público Militar o périplo da sua fecunda carreira profissional, cuja biografia consta da obra “A História do Poder Judiciário Paranaense, volume 2, página 281, CURY, Robson Marques, Vitória Gráfica & Editora, 2023”. 

O juiz federal militar Arizona D’Ávila Saporiti Araújo Jr, organizou a História da Auditoria da 5ª CJM, na obra intitulada Justiça Militar da União no Paraná e Santa Catarina, 2ª edição revista e ampliada, impressa pelo STM em Brasília-DF, 2023. 

O prefácio na 1ª edição do advogado e professor René Ariel Dotti (falecido em 2019), aborda, em profunda análise, os temas: “Em busca de um tempo que não se perdeu”; “A legislação Penal e Processual Penal Militar”; “Magistério de Direito Penal Militar”; “A advocacia em IPM’s”; “Legislação sobre os crimes políticos” e “Os duzentos anos da Justiça Militar no Brasil”.  

Extraordinária, sob todos os ângulos, essa iniciativa do magistrado Arizona em organizar a história da Auditoria Militar com detalhado resgate dos fatos primordiais, preservando-a de forma indelével para a posteridade. 

Na 2ª edição da obra, o juiz federal militar Arizona D’Ávila acrescenta aos casos defendidos pelo advogado criminalista René Dotti, “...outros relatos de histórias ricas e importantes, que resgatam episódios emblemáticos, mas quase esquecidos da Auditoria da 5ª CJM”. 

São diversos casos marcantes. 

Durante a Revolução Constitucionalista de 1932, a Coluna João Francisco arrombou e destruiu documentos do cartório distrital do serventuário da justiça de Ribeirão do Meio, cujo nome foi posteriormente alterado para distrito de Joá e transferido do município de Ribeirão Claro para o município de Joaquim Távora (Lei Estadual nº 7573 de 29 de novembro de 1938). Instaurada a ação penal contra o ex-tenente Castro Lima, ao final da instrução, ocorreu a absolvição unânime. 

Na Itália, durante a 2ª Guerra Mundial, o auditor militar de guerra dr. Eugênio Carvalho do Nascimento (da 5ª Circunscrição Militar de Curitiba), no Inquérito Policial Militar instaurado, julgou procedente a denúncia e condenou à morte dois pracinhas pelo homicídio do civil italiano e violência sexual contra menor. O presidente Getúlio Vargas comutou as penas para 30 anos de reclusão, e os condenados, após nova comutação, foram soltos após cumprirem 6 anos de reclusão. 

O caso do cavalo amarelo ocorreu em 1962 no Centro Preparatório de Oficiais da Reserva da 5ª Região Militar (CPOR), situado ao lado da Praça Osvaldo Cruz, onde atualmente está edificado o shopping. Seis alunos jogaram tinta a óleo de cor amarela no cavalo ‘couraceiro’, escolhido de forma aleatória. Foi instaurado o inquérito policial militar em razão do ingresso por local proibido e dano ao patrimônio militar. Finda a instrução, o Conselho Permanente de Justiça para o Exército absolveu os seis denunciados. 

Este caso se torna ainda mais pitoresco por ter envolvido um certo personagem: Roberto Requião de Melo e Silva. Anos depois, formado em jornalismo e direito, foi eleito Deputado Estadual, Prefeito de Curitiba, Governador e Senador pelo Paraná. 

A Guerrilha de Três Passos, em março de 1965, tendo à frente o militar cassado Coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório liderando 20 inexperientes agricultores, tomou o quartel da Brigada Militar, o presídio de Três Passos-RS e a Rádio Difusora. Esse grupo paramilitar, após passar por Tenente Portela-RS, foi localizado em Capitão Leonidas Marques-PR. A instrução na 5ª CJM foi presidida pelo auditor Célio de Jesus Lobão Ferreira. O advogado René Dotti logrou absolver o senador Amaury de Oliveira e Silva, o ex-deputado estadual Walter Alberto Pecoits e o diretor da Superintendência da Reforma Agrária (Supra) Eliseu Gomes Torres. 

O processo contra Clair da Flora Martins em que foi denunciada por crime político foi julgado pelo auditor Ramiro Teixeira Motta, que revogou a sua prisão preventiva como pleiteado pelo advogado René Dotti. Como o militar da escolta solicitava ordem superior para cumprir o alvará de soltura, o auditor Ramiro ligou para o General de Divisão Airton Pereira Tourinho comunicando o incidente, o qual determinou o cumprimento da ordem judicial. Com a restauração das liberdades públicas, direitos e garantias individuais e o retorno ao Estado Democrático de Direito, Clair foi eleita vereadora em Curitiba e Deputada Federal. 

O advogado René Dotti também atuou no processo contra o Tenente Coronel Tarcísio Nunes Ferreira, acusado, em entrevista à sucursal em Curitiba do Jornal do Brasil, de ter censurado o Governo Geisel. O auditor Carlos Augusto Cardoso de Moraes Rego arquivou com base na Lei de Anistia (n° 6.893/79), inobstante a defesa sustentasse a inexistência de crime. 

No caso dos estudantes de Florianópolis e a ‘Novembrada’, ocorrido em 30 de novembro de 1979, também julgado pelo auditor Moraes Rego, envolveu manifestação popular de vulto, devido ao cenário da inflação com arrocho salarial e o processo da chamada ‘abertura democrática’, em que os sete estudantes foram acusados de agredir moralmente o presidente João Figueiredo e acompanhantes em frente ao Palácio Cruz e Souza, sede do governo estadual. Ao final do julgamento, em que igualmente atuou na defesa o dr. René Dotti, o presidente do conselho anunciou a absolvição: três votos a dois! 

O processo contra os jornalistas da Última Hora teve repercussão nacional por envolver, diretamente, as liberdades de expressão e de informação, sob a liderança editorial de Samuel Wainer, jornalista e empresário russo-brasileiro. A denúncia atribuía aos 17 jornalistas os delitos previstos na Lei de Segurança Nacional (n° 1802 de 5 de janeiro de 1953) e no Código Penal Militar. Na fase final da instrução pela 5ª CJM, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, em 2 de abril de 1968, o Habeas Corpus 44989/PR, relatado pelo Ministro Adalício Nogueira, por falta de justa causa para o procedimento penal. E em 8 de outubro de 1968, foi julgado pelo mesmo STF o Habeas Corpus 45856/PR, concedido pelo relator ministro Evandro Lins, em razão de que a denúncia não descrevia fato típico, antijurídico e culpável, com linguagem obscura e confusa. 

O derradeiro caso marcante, organizado na 2ª edição da obra pelo doutor Arizona D’Ávila, contou com a precisa análise do juiz federal militar Alexandre Augusto Quintas, da 11ª CJM, intitulada “Crise do Setor de Transporte Aéreo Brasileiro e o Motim dos Controladores de Tráfego Aéreo”. 

A crise nacional foi deflagrada em setembro de 2006 após a colisão entre o Boeing 737-800 da Gol e o jato Legacy da Embraer na rota Brasília-Manaus, sob suspeita de falha humana dos controladores de tráfego aéreo brasileiro. A operação padrão dos controladores do Cindacta II levou à condenação de oito militares pela 5ª CJM por prática do crime de motim, sentença confirmada pelo Superior Tribunal Militar.