Desembargador Vicente Del Prete Misurelli
DESEMBARGADOR VICENTE DEL PRETE MISURELLI
Por Desembargador Robson Marques Cury
Vicente Del Prete Misurelli, filho de Carlos Del Prete Misurelli e de Leone Caldeira Misurelli, nasceu em Curitiba (PR), em 19 de abril de 1954. Bacharel pela Faculdade de Direito de Curitiba, turma de 1979.
Ingressou na magistratura após concurso para juiz substituto, sendo nomeado em 4 de abril de 1989 e exercendo as funções nas comarcas de Ibaiti e Tomazina. No dia 6 de junho de 1990, foi nomeado juiz de Direito, atuando nas comarcas de Andirá, Tomazina, Guaíra, Pitanga, Cascavel e Curitiba.
Foi promovido ao cargo de desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em 10 de abril de 2006.
Vicente Misurelli era especialista em Filosofia do Direito, em Teoria Sociológica e em Estudos de Problemas Brasileiros. Também tinha mestrado em Teoria Crítica do Direito, pela Universidade Ibero-Americana de Andaluzia (Espanha).
Faleceu em Curitiba, no dia 28 de dezembro de 2022, aos 68 anos de idade, em pleno exercício de suas funções.
Fã do grande viajante Vicente Misurelli, frequentemente conversávamos sobre destinos exóticos. Admirável orador e poeta, insuperável na fluidez mental do improviso, emocionava a todos, seja na capela do Tribunal de Justiça ou no Tribunal Pleno.
Tive o privilégio de atuar como juiz de Direito substituto na 15ª Vara Cível de Curitiba, cuja escrivã era a sua tia Carmen Misurelli Palmquist. E a Dona Carmen, por outra daquelas coincidências do destino, quando vim do interior para morar na capital, era vizinha de porta no edifício Porto Alegre. Foi quando conheci o magistrado Vicente Misurelli.
E ele, gentilmente, abriu seu coração e me contou:
“Vae longe o tempo, mas minha memória não está sofrida.
Quando leio o passado, vejo, nitidamente, que a presença de minha tia Carmen se encontra marcada em minh’alma. E sempre ela na vida de todos. Ninguém jamais passou desapercebido. Sempre atenciosa, oferecendo atenção e amparo a quem precisasse.
Minha vida afetiva com ela nasceu ali na Rua Lamenha Lins, onde, por muitos, anos residiu. A vida afetiva de dezenas de sobrinhos foi gerada ou aprimorada em sua casa. Depois dos pais, ou mesmo sem eles, Carmencita, amorosamente chamada por todos, recolheu, amparou, educou, alimentou, instruiu dezenas de sobrinhos.
Não há sobrinho que não a visitasse e subtraísse uma lata de leite condensado da dispensa. Ela tudo sabia. A inteligência, sabedoria e excelente humor, características próprias.
As ceias de Natal, sempre na sua casa. Era como se Papai Noel efetivamente existisse e, na casa dela, ele usava saia.
Ali na Lamenha Lins, criança, conheci os estudantes Lourival Mendes de Souza, à época namorado de sua filha Sonia, futuro genro e desembargador. De igual, conheci a Milani de Moura, Paulo Hapner, Nerio Spessato Ferreira e Waldemir Luiz da Rocha, uns da própria Lamenha Lins, outros do interior, pela gentil rua, morando para estudar. O tempo a todos lhe agradeceu com a carreira no Poder Judiciário.
Graças à minha querida tia Carmen é que fui direcionado ao Direito. Por primeiro, me orientou a fazer a Escola da Magistratura, quando de sua 2ª turma. E do contato com ela e das visitas ao Cartório Criminal, conheci o juiz dr. Edmar Cordeiro Machado e o promotor público, dr. Rui Cunha, e também o dr. Walter Borges Carneiro, advogado à época.
Já na 15ª Vara Cível, o desembargador Accácio Cambi era o titular, pessoa a quem vim assessorar no Tribunal de Alçada, sabidamente por obra de minha tia. O caráter, o trabalho voltado ao justo, por magistrado tão nobre, marcou, definitivamente, meu amanhã. Hoje, integro o Tribunal de Justiça do Paraná, com exemplo a seguir e gratidão a não negar.
Ali, ainda no Cível, minha querida tia me apresentou Josué Duarte Medeiros, Leonardo Lustosa, Carlos Vitor de Maranhão Loyola e Wilde Pugliese, a quem a eles oferecia respeito e carinho materno. E tantos os funcionários do Cartório recebidos e orientados por ela. Hoje, Irajá Pigato é juiz substituto em 2º grau de nosso Tribunal.
Minha tia sempre foi assim, gentil, educada, preocupada, amparadora, mais que tia, mãe de todos, sem jamais, interferir, mandar ou omitir-se. E é por isso que, por determinação divina, encontra-se conosco, filhos, netos, bisnetos, trineto, sobrinhas, sobrinhos, funcionários, ex-funcionários, amigos, conhecidos, ouvintes, todos leitores de sua história.
Sim, são centenas e centenas de pessoas, nenhuma anônima, nenhuma esquecida, testemunhas da caminhada lúcida e generosa de seus 100 anos de plena existência para o amor e para o bem.
Quando a noite se torna escura, muita escura, quem sempre nos ilumina é a querida, amada, TIA CARMEN.
A história mais fantástica e verdadeira dos últimos cem anos. A grafia do amor e da amizade oferecida a muitos, de forma gratuita. Sempre tirou da tristeza a oferta da alegria. Na solidão vista em outro, a oferta necessária da solidariedade. Uma vida a ser elogiada.” (CURY, Robson Marques, A História do Poder Judiciário Paranaense, volume 1, Vitória Gráfica & Editora, 2022, p. 268)
É a homenagem desse sobrinho de sangue e filho por afinidade pelo ideal comum de Justiça.
Muito pode ser dito sobre o desembargador Vicente Del Prete Misurelli. Viajante inveterado, percorreu os quatro cantos do mundo. Assim sintetiza essa vida: PASSOS DADOS. FACES VISTAS.
“As faces, os rostos, quando vistos em sua formação mais límpida, oferecem, além da epiderme marcada, os sulcos dos caminhos percorridos.
Olhos de entrega da profundidade d’alma conhecida.
Nas rotas do mundo, por caminhos desconhecidos, em fugas programadas, afasto-me da rotina que se mostra perigosa. Aproximo-me da vida. Vida tocada e ouvida. Sentida.
Mapas, apontamentos, bússolas a indicar o encontro com tantas existências. Vidas que se mostram a ensinar em olhares percebidos. Sorrisos esperados. Lágrimas respeitadas.
Do Alasca à Antártica, da Ilha de Páscoa ao Vale do Rio Omo, na Etiópia, enfim, em todos os continentes, o que tenho por acrescido é a experiência de tantas humanidades.”
Significativo seu depoimento à Toga e Literatura, Revista Cultural da Amapar, junho de 2010, com toda essa sensibilidade, herdada também da sua tia Carmen, sem qualquer dúvida.
A editora Chloris Elaine Justen de Oliveira explicita a memorável jornada:
“Caminhos originais e únicos foram percorridos em 92 países pelo viajante solitário desembargador Vicente Del Prete Misurelli. No roteiro, captou imagens de fascinante beleza natural, exuberante natureza e misticismo. Provavelmente, foi recíproco o espanto causado por sua presença diante de afáveis monges tibetanos, da enigmática mãe que amamenta o filho sob olhar do chefe da tribo armado até os dentes ou das risonhas crianças ou mesmo do capitão do navio que o levou pela imensidão gelada da Antártica.”
Nada detinha Vicente Misurelli na busca incansável do ignoto e de contatar os desconhecidos seres humanos do planeta. Nem a dificuldade de locomoção decorrente de pertinaz enfermidade o impedia de atingir seus objetivos.
Trabalhou no Tribunal de Justiça, incansavelmente, até seus últimos dias. Deslocava-se, com habilidade, na cadeira de rodas elétrica pelos corredores e salas das sessões.
Acerca da sua jornada, imitada mas não igualada, Vicente Misurelli, o magistrado viajante, discorre:
“Quando eu me aproximo mais do outro, um pouco mais estou em mim.
Por isso que caminho a soletrar abundância em vida. Por isso necessito tocar nos rostos e sentir n’alma.
Em arco-íris de culturas e raças, povos e etnias, toda vida há de ser respeitada.
E foram tantas as vezes que precisei acomodar meu espanto.
E digo, não só pela magnitude das estruturas delicadas, como a cidade de Chan Chan, no Peru, ou a mesquita de Djenné, no Mali.
E, ainda, as megaestruturas de pedra, como Tikal, na Guatemala, ou Queóps, no Egito, ou Angkor Wat, no Camboja. Machu Pichu, nos Andes peruanos, ou o Palácio Potala, em Lhassa, no Tibet.
A novidade em cada nova maratona com a vida é a certeza inquestionável do encontro com o novo. São sempre dezenas e dezenas de pessoas que se insinuam e me permitem contato mais nítido com a existência. Pouco importa a origem geográfica, social, racial ou cultural. O que importa, sim, é a real possibilidade de, naqueles instantes, roubar da morte e oferecer tempo à vida.
Aprendi, em dialeto de algum povo africano, que “matahanei” significa aquele que rouba da morte. Rouba para oferecer vida.
Não há, e tenho como definitivamente marcado em minha memória afetiva – jamais aflitiva –, que a grandeza de próprio tempo é acumular experiências e vivências.
É necessidade minha viver a pisar a terra. Marcar o solo e permitir que do barro tocado verta o sumo energético do acontecer.
Quando os olhares se orientam a um novo ponto, o horizonte se agiganta. Linhas próximas a garantir os sonhos.”